De flores e gentilezas

                   
            
                                        Walnize Carvalho


              Mês de setembro.
           Com a Natureza sinalizando que a estação das flores (Primavera) está prestes a desabrochar, me veio a mente uma cena do cotidiano que vivenciei e  que perfumou uma de minhas tardes.
            Lembro-me que o lugar não poderia ser mais propício para se efetuar venda de suas mercadorias: uma rua movimentada - de pessoas e carros - estar na porta de um supermercado, que fica ladeado de uma igreja e uma farmácia... e mais adiante uma banca de jornais.
            E foi neste lugar estratégico que avistei o velho senhor: bermuda rota, camisa desbotada (mas que dava para identificar que era de um time de futebol), sandália de dedo nos pés, boné enterrado na cabeça e um cigarro no canto da boca.
            Estava sentado em um caixote de madeira tendo à sua volta baldes plásticos coloridos, apinhados de coloridas flores.
            Em suas mãos calejadas e pouco habilidosas tentava dar forma de laços ao rolo de fitas de papel lustroso.
            As pessoas - em sua maioria - por ele passavam carregando na reta dos olhos o longo caminho de uma quarta-feira de setembro.
            Aproximei-me dele pensando em compor mais um personagem de minhas crônicas, neste ofício da escrita que tem muito de curiosidade e prazer em conhecer pessoas e suas histórias de vida.
            Ele - olhar cansado e distraído - perguntou-me: - É devota de Nossa Senhora? E concluiu: - Ela adora rosas brancas e estas dali (apontou para um dos baldes) estão fresquinhas!
            Não obtendo de mim resposta imediata passou a “despetalar” suas amarguras: - O movimento está bem fraco! O que me salva são minhas freguesas que vêm uma vez por semana adornar o altar de Nossa Senhora, ou as que aparecem para pagar promessa e prosseguiu: - Com essa história de dengue, quase ninguém quer flores em jarras e a gentileza de ofertar rosas a uma dama... já se foi o tempo!
            E eu, tentando animá-lo, ponderei: - Mas há sempre datas especiais: aniversários, Dia das Mães, Dia dos Namorados...
            - Muito difícil, madame! Muito difícil! - enfatizou: - Preferem gastar dinheiro com vidros de perfume, celulares último tipo, restaurantes caros!
            Calou-se.
            Apanhou encostada na parede uma sacola de napa, de onde tirou garrafa de café, desembrulhou um pão com manteiga e antes de se alimentar, ofereceu-me: - É servida, senhora? Agradeci, desviando o olhar para as flores a fim de deixá-lo à vontade.
            Terminou rápido o lanche e limpando mãos e boca voltou a falar: - Sabe, não devia nem reclamar, pois já estou aqui há anos e nunca fui importunado por fiscais e o mais importante - com meu trabalho consigo levar o pão para casa...
            Com a manga da camisa enxugou as lágrimas.  
            Escolheu uma rosa branca e - silenciosamente - me ofertou.
            Surpresa e feliz, me despedi.
            Entrei na igreja. No templo, um coro entoava: ”Fica sempre um pouco de perfume/ nas mãos que oferecem rosas...”


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